Núcleos Temáticos
Arte Medieval no Museu, balizada entre os finais do séc. XIII e a plenitude do séc. XIV
Um núcleo que integra obras únicas, portuguesas e/ou ibéricas - provenientes de aquisições por parte de Henrique Amorim (1902-1977), datáveis de 1950 a 1953, em Espaços sacros intervencionados, hastas públicas ou transacção em Antiquário - alusivas à iconografia de uma escultura de “Nossa Senhora do “O” de finais do século XIII, do relevo e pintura de um Tríptico do “Calvário e da Anunciação” de séculos XIII / XIV e de uma escultura de “Santo Antão” de finais do século XIV.
Que, pela sua matéria, forma e tratamento “resumem” os princípios oficinais, as correntes, as técnicas, os hábitos, o gosto mecenático e as potencialidades da Escultura medieval portuguesa e ibérica, entre o Românico tardio e a plenitude do Gótico. Entre o “talhe” da Madeira e a modelação do Calcário mole de Coimbra - conhecido pelo desígnio “Pedra de Ançã”.
“Nossa Senhora do “O” - Virgem do “O” / “Ó”, ibérica, de finais do séc. XIII ou das primeiras três décadas do séc. XIV, exposta, desde a década de (19)50 no MSML (um caso raro na História da Arte e Museologia peninsular)
De proveniência desconhecida, mas oriunda do contexto cultual de um possível espaço religioso da Península Ibérica, despojado deste tipo de iconografia (numa datação “pós-tridentina”, esta escultura de Imaginária Mariana, resultante de um meio produtivo oficinal (uma suposta “guilda /oficina” portuguesa ou Ibérica, com Artifex e Magister - “Artífices e Mestres Escultores” - de produção de Imaginária de vulto), passível, pelo seu material de produção (Madeira), tipo estético e iconográfico seguido, de enquadramento entre os finais do séc. XIII e as primeiras três décadas do séc. XIV.
Majestática e frontal (coroada), Maria grávida, protetora dos/das gestantes e das grávidas, dirige-se sóbria e graciosamente ao observador. Coloca a mão direita sobre o ventre grávido, com os seus cinco dedos abertos e alongados. E a esquerda, elevada junto ao rosto (próxima ao ouvido, também com os seus cinco dedos visíveis, esguios e alongados), em ato de bênção, receção de preces ou de aceitação plena do conteúdo da mensagem transmitida pelo Anjo Gabriel na “Anunciação”.
A madeira polícroma na escultura medieval portuguesa de sécs. XIII / XIV - Arte móvel, Tríptico Medieval: “Calvário e Anunciação”
Possivelmente inserido, pela estrutura e linguagem, na ambiência criativa dos sécs. XIII / XIV, nos dias de hoje, este Tríptico poderá destacar-se pela sua suposta raridade iconográfica e regular estado de conservação. Formalmente, conjuga sob o mesmo suporte (Madeira), as propriedades volumétricas da escultura (Alto e Baixo-relevo policromado), o brilho do douramento. E, por último, o colorido da pintura a têmpera (?). No Corpo / Painel central deste Tríptico, sob recriação de pórtico / portal e fundo dourado, contemplam-se duas representações iconográficas distintas. Em relevo, o “Calvário” (“Crucificação simbólica / Drama do Calvário”); e, através de pintura a têmpera (?), a iconografia da “Anunciação do Senhor”. A par de outras variantes interpretativas, esta coexistência de episódios compõe uma “Narrativa sagrada”, alusiva ao “Princípio e ao Fim”. Ao anúncio do Nascimento de Jesus como “Salvador”, e ao momento da sua Morte e sacrifício salvífico na Cruz.
A importância da "Pedra de Ançã" e da “Escola de Coimbra” na escultura medieval portuguesa do término do séc. XIV - António Abade / António Abade de Viena (“Santo Antão”)
Iconograficamente, endossa a “Indumentária Antonina”, com Sayal azul (espécie de “Alva” / “Túnica interior”), decorado com motivos florais, vegetalistas e fitomórficos; sobre ele um Escapulário medieval, de cariz retangular e marcado, junto ao peito, com uma “Cruz pátea” / “Cruz templária”; uma Capa negra, caída sobre as costas a partir dos ombros e um Capuz negro. Ambos debruados com faixas, enrolamentos e motivos vegetalistas / fitomórficos dourados. Na sua mão direita, segura um signo anti pestífero conhecido como “Tau” / “Crux Commissa” (uma Cruz de formato similar à letra “T” e de origem egípcia). E, na esquerda, a par de exibir um “Fólio” / Livro representativo da “Regra Antonina”, suporta um Sino / Sineta repelente de ataques demoníacos, pestilências, condutas dúbias ou tentações eminentes. Complementando a estética da reprodução desta iconografia, invocado pelos cristãos como “taumaturgo” (curador de pestilências, fomes e conflitos), António Abade possui um Porco “prostrado” aos seus pés e que representa a cura eficaz, baseada na banha e no toucinho deste animal, que o Eremita descobriu no decurso do seu combate às enfermidades de pele e pestilências que assolaram o “Antigo Egipto” durante o séc. III.
São Sebastião: O Voto | A Identidade | A Arte
Território de crenças, votos e devoções fervorosas, a Terra de Santa Maria subsistiu no tempo e no espaço, demarcando-se no plano nacional pela sua Identidade. Amplamente fustigada no decurso da sua História, foi na união de um “Voto coletivo” que os santamarianos eliminaram as adversidades e moldaram parte dos princípios da sua prosperidade e subsistência. Assim, foi a partir do emblemático Castelo de Santa Maria da Feira que se moldou e expandiu todo um culto peculiar, o das “Fogaceiras”. Um tributo ao “Primeiro Martírio de São Sebastião”, celebrado oficial e anualmente na envolvência feirense a cada dia 20 de janeiro desde 1505, repelente de “fomes, pestes e guerras”. Este Voto, contribuiu decisivamente para a definição da identidade patrimonial, artística, devocional e gastronómica de Santa Maria da Feira e todo o território concelhio.
Neste pequeno segmento temático incorporado na quinta sala da planta do seu Piso superior, denominada de “Sala dos Oratórios”, o Museu de Santa Maria de Lamas explora, através de destaques do seu espólio de Arte Sacra seiscentista (séc. XVII), e do uso de objetos em Cortiça e Derivados, a História, a Iconografia e a Arte associadas à envolvência das “Fogaceiras da Feira”. Ou seja, o “Voto”, a “Identidade” e a “Arte” personificados visualmente pelo Mártir São Sebastião, pelo “Pão doce” que lhe é tributado a cada dia 20 de janeiro, a “Fogaça da Feira”; e pelo histórico e secular epicentro cívico e religioso desta geografia, o Castelo de Santa Maria da Feira, Monumento singular da arquitetura palaciana e militar local e portuguesa.
“O Voto”: A “Fogaça da Feira”
Habitualmente interpretada pela via do paralelismo exclusivo aos quatro Coruchéus cónicos que encimam os quatro “Torreões” da Alcáçova / Torre de Menagem do Castelo de Santa Maria da Feira, a representatividade estética da “Fogaça da Feira” – “Ex-voto Sebastiano” com receituário primitivo remontante aos sécs. IX / X - não se restringirá à simples recriação do Monumento.
Através da combinação concretizada entre os quatro segmentos superiores de massa e a estrutura do seu plano inferior, a “Fogaça da Feira” recria e tributa a identidade paisagística e patrimonial de Santa Maria da Feira. Deste modo, demarcado das demais Fogaças nacionais, o doce feirense tributado a São Sebastião, a par de invocar a estética da Fortaleza santamariana, poderá esquematizar o próprio perfil paisagístico do monte de localização do Castelo de Santa Maria da Feira. Efetivando uma alegoria ao desenvolvimento das “Curvas de nível” do relevo de localização do Castelo – ícone identitário e secular epicentro cívico, religioso e militar regional, da génese e Terra de Santa Maria.
“A Identidade”: O Castelo de Santa Maria da Feira
Centro cívico e religioso, testemunho histórico e marco visual do “Culto Fogaceiro” e Identidade patrimonial da região. Reproduzido, em parte da sua arquitetura palaciana e militar, por uma escultura de vulto inteiro, consumada em Cortiça natural no ano de 1970, ou após 1970, desconhecendo-se a sua autoria.
A par de interpretar o Monumento original, este registo corticeiro réplica – numa escala superior – a estrutura e a estética de uma dádiva em Prata portuguesa, de 14 cm de altura, por 15 cm de largura e 760 gramas de peso, também composta por escultura de vulto alusiva à peculiaridade estética do Castelo feirense, da autoria de “Rosas de Portugal” (“marca de ourives”); que o Concelho de Santa Maria da Feira ofereceu no dia 14 de setembro de 1970 a Américo Thomaz (1894-1907), Presidente da República Portuguesa em exercício, aquando da sua visita oficial ao território santamariano.
“A Arte”: Coleção de Imaginária Sebastiana seiscentista (séc. XVII), representativa do “Primeiro martírio de São Sebastião”
Forma e iconografia do “Divino Mártir” sagitado (alvejado por Flechas). Percetível através da observação de um conjunto de nove Esculturas de vulto, em Madeira policromada, estofada, dourada e carnada datadas, na sua totalidade, do século XVII (maioritariamente situados entre o primeiro quartel e a primeira metade de seiscentos), de produção portuguesa e representativas da dualidade oficinal, balizada entre “erudito & popular”, que marcou a Escultura Barroca em Portugal. Ou seja, neste núcleo de Escultura Sebastiana estão patentes e expostas sete Imagens resultantes da produção de “Oficinas / Imaginários / Santeiros / Escultores-Santeiros” de Escultura de cariz erudito – denotando maior expressividade plástica, rigor iconográfico, realismo, proporcionalidade no tratamento da anatomia e maior “riqueza” técnica ao nível dos materiais utilizados e dos acabamentos.
E ainda, por dois elementos com características que os enquadram numa tipologia de produção mais espontânea, identificada nas páginas da História da Arte Portuguesa pelos termos “Imagens populares” / Imagens oriundas de “Oficinas / Santeiros populares” – cujo resultado final das suas execuções apresenta, por norma, menor riqueza técnica e de utilização de materiais; por vezes algumas “omissões” / “alterações” iconográficas, virtuosismo plástico reduzido, desproporcionalidade anatómica e até simplicidade de formas e expressões.
Núcleo temático da Cortiça - Cortiça Estórias da História
Paradigma de alguns dos conceitos museológicos prediletos e do próprio “mundo de fantasia” que Henrique Amorim (1902-1977) também quis incorporar em parte dos espaços do seu Museu, a “Sala da Cortiça” do Museu de Santa Maria de Lamas (MSML) - resultante de um investimento contabilizado em 5.500.000 $ (escudos), montante difundido num “Relatório de Contas” alusivo ao Museu, que o próprio Henrique Amorim disponibilizou em 1974 para publicação no periódico local União. Mensário de Santa Maria de Lamas - assim apelidada por locais e forasteiros, representou desde sempre um “lugar-comum” no imaginário de todos aqueles que, direta ou indiretamente, cresceram entre as cerandas de aroma a baunilha e a terra molhada por “Terras de Santa Maria”.
Central, extenso e alto, o “Pavilhão de / da Cortiça” (desígnio primitivo que esta área obteve na planimetria do MSML), foi “apetrechado”, desde sempre, por uma boa Coleção de Arqueologia industrial, com amostras rolheiras, utensílios e Engenhos / Máquinas / Maquinismos que demonstram as várias fases de transformação de Cortiça, acompanhados por centenas de esculturas e relevos em Cortiça e derivados, balizados entre uma dualidade permanente de “Cultura erudita versus Cultura popular”. De onde se evidenciam algumas evocações, num conceito muito pessoalizado e mesmo fantasioso, do Património arquitetónico, História e Etnografia portuguesa.
Não raras vezes constatamos que, fora de portas, esta área cenográfica e expositiva orquestralmente arquitetada por Henrique Amorim, e que se distinguia das demais no complexo museológico do MSML, consegue deixar marcas indeléveis. Ainda que os últimos tempos tenham entristecido o semblante deste espaço, da dita e peculiar “Sala da Cortiça”, deixando-o desvalido e infeliz a acumular o pó que seu Fundador não pôde mais limpar, tem-se denotado um esforço considerável por parte da tutela do Museu em renovar aquele que representa o símbolo maior de uma parte dos percursos de vida, individuais e coletivos da região – uma geografia económica, social e laboralmente dependente, sobretudo desde o séc. XIX, da Industria Transformadora de Cortiça, sua matéria-prima e respetiva evolução.
Tal processo profundo de recuperação, reestruturação, estudo, conservação e restauro (até ao futuro término do projeto interventivo em curso), que a “Sala da Cortiça” recebe desde 2013, originou a estruturação provisória, numa das áreas da Sala 11 – “Sala dos Escultores” do Piso inferior, de um “Núcleo temático” evocativo dos resultados da recuperação e de parte da dualidade concetual e alegórica, patentes e característicos do acervo arqueológico e artístico desse perímetro emblemático do MSML. Denominado de “Núcleo Museológico da Cortiça - Cortiça. Estórias da História”, na sua génese este núcleo provisório conjuga, com a “Cortiça” como “palavra-chave”, pelo espólio arqueológico e artístico que exibe e à semelhança do sucedido na “Sala da Cortiça”, que posteriormente renascerá readaptada, uma dicotomia constante de “Arte e Industria”; “Histórias e Estórias” do território e povo português; “Labor e Idílio”, “Natureza e Feitoria Humana”, “Erudição e Espontaneidade”; “Religiosidade e Valores políticos”, “Etnografia local, concelhia e nacional”. E ainda, referências a “Monumentos Pátrios e Registos de tributo pessoal”. Deste modo, nestes contextos expositivos específicos distinguem-se:
Os “Fragmentos de Cortes de Sobreiro”; as “Pranchas e Traços / Rabanadas de Cortiça para Brocagem e fabrico de Rolhas cilíndricas naturais”; as “Rolhas cilíndricas de Cortiça natural” de diferentes categorias; as “Aparas resultantes de Brocagem”; a “Reprodução escultórica de uma Fábrica de transformação de Cortiça do início do séc. XX”, com todos os “passos” necessários desde o “Descortiçamento” / “Tiradia” e respetivo transporte, à preparação, tratamento e expedição final das “Rolhas cilíndricas de Cortiça natural” após modelação na “Garlopa Manual”, “Brocagem” e “Escolha”; um “Amolador de facas” ou “Rebolo” para uso em contexto de transformação corticeira; duas facas, uma “Faca de traçar Pranchas de Cortiça” e outra, denominada, na “gíria corticeira”, de “Burro”; uma “Garlopa Manual” e uma “Broca a pedal” de produção rolheira; uma “Banca de escolha manual” das diferentes categorias das “Rolhas cilíndricas de Cortiça natural”; uma “Ponçadeira” de ajuste e calibragem das “Rolhas cilíndricas de Cortiça natural”; uma recriação artística, em Cortiça natural e Aglomerado de cortiça de “Profissões da portugalidade”, nomeadamente um “Azeiteiro Vinagreiro”; uma réplica, de escala miniatural em Cortiça natural e Aglomerado de Cortiça, da “Torre de São Vicente” (comummente designada por “Torre de Belém”); uma interpretação escultórica, em Cortiça natural e Aglomerado de cortiça, de uma “Carraca / Nau” de término do séc. XV, alusiva às Campanhas náuticas Orientais da História da navegabilidade e “Descobrimentos portugueses” (1415–1543). E, por fim, a estruturação de um “Padrão laudatório da 1.ª travessia aérea transatlântica de Gago Coutinho (1869–1958) e Sacadura Cabral (1881–1924)” – reproduzidos também em busto – combinado com uma Reprodução corticeira do “Hidroavião monomotor “Fairey III D, n.º 17”, que, no dia 17 de junho de 1922 completou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul - com partida de Lisboa a 30 de março e chegada ao Rio de Janeiro a 17 de junho de 1922.
No quadro do espírito evocativo desta Coleção e Núcleo que, além de evidenciar as potencialidades desta matéria-prima, reflete a identidade da comunidade local e constitui uma verdadeira herança cultural que o MSML visa conservar, estudar, difundir e valorizar de forma integral. Dada a ligação do Fundador do Museu à Indústria transformadora da cortiça, bem como à implantação do Museu em território corticeiro, cumprindo e exaltando o desejo do Fundador de homenagear esta matéria-prima, ao longo da exposição permanente, têm sido incluídas, desde 2011 e com intuito de expandir o alcance do “espólio corticeiro” do Museu, réplicas, em Cortiça e derivados, das obras mais emblemáticas do acervo - como é o caso do “Núcleo de Escultura Medieval” ou do Núcleo temático “São Sebastião: O Voto | A Identidade | A Arte”, por exemplo.