O Edifício
Encarado como um importante e peculiar caso de estudo da “História do Colecionismo privado e pessoal”, do “Mercado de Arte e suas dinâmicas” e da Museologia portuguesa ao tempo do “Estado Novo” (1926-1974) o Museu de St.ª M.ª de Lamas (MSML), popularmente apelidado de “Museu da Cortiça”, não se restringe ao numeroso, multidisciplinar e valioso acervo interior.
Atualizado e “ressurgido da penumbra” pela qual padeceu nos cerca de vinte e sete anos (1977-2004), subsequentes ao falecimento, em 1977, de Henrique Amorim (H. A.), seu fundador, colecionador, industrial corticeiro e filantropo local, o MSML foi erigido e cenograficamente composto, a partir de uma “compulsão colecionista” e segundo princípios de “horror ao vazio”, entre 1950 e 1977. Tal carácter cenográfico e desejo de expressão visual, pelos objetos selecionados e espaços concebidos, de valores mentais, históricos, políticos, religiosos, identitários e estéticos, não se “fixa” apenas no espaço interior do Museu. Pelo contrário, inicia-se e expande-se pela envolvência arquitetónica, urbanística e artística exterior, toda ela solicitada, programada, financiada e concretizada pela ação colecionista, empreendedora e benemérita de H. A., que antecipa, enquadra e “prefacia” a posterior fruição interior do MSML, que expõe um acervo eclético, de natureza diversa (em tipologias, proveniências e cronologias). De onde se evidenciam a Arte Sacra, a Estatuária contemporânea, a Etnografia, os “Naturalia”, a Iconografia do Fundador e o Património arqueológico e artístico de índole industrial (Estatuária em Cortiça e derivados; Utensílios e Maquinaria de Transformação corticeira).
A Frontaria do Museu caracteriza-se e, de certo modo, afirma-se na paisagem do Parque envolvente pelo traçado conservador das suas linhas, sobriedade e harmonia da sua cromia e materiais. Em sintonia com o desejo, por parte de H. A., de evocação visual da Arte e valores do “Estado Novo” e da própria arquitetura tradicional local vigente nessa época, a Fachada do Museu combina três volumes avançados - um deles, central, de “Pé-direito” (altura) e largura superiores, reprodutivo de uma fachada de Capela, tipicamente lusa, dos anos (19)50 / (19)60 - com telhados de duas e quatro águas, interligados entre si por duas Arcadas (com múltiplos arcos de volta perfeita sob colunas de fuste liso e curvilíneo), ligeiramente recuadas, bastante peculiares e identitárias do Frontispício e arquitetura do MSML.
Do ponto de vista estético, esta combinação de volumes, num só complexo, miscigenou formatos e pormenores alusivos ao processo construtivo residencial, escolar e religioso do nacionalista “Estado Novo” português. Aqui, numa vertente pessoalizada e regionalizada. Apesar da construção exclusiva para o efeito museológico, de albergue e exibição do seu legado e acervo colecionista, no seu traçado o Edifício do MSML, à sua escala, expressa, de forma plástica e sob unidade pouco provável e comum (de pormenores arquitetónicos típicos de Escola, Capela e Residência), uma “retórica” de ideologia e exaltação dos valores nacionais coevos, através de um certo tradicionalismo pitoresco / “arcaizante”.
Para além da “Figura de convite” que se evidencia na paisagem e antecipa as visitas ao Museu e Parque de St.ª M.ª de Lamas, a “imponente” escultura do Fundador sob pedestal pétreo (da autoria do célebre escultor da dita “Escola de escultura do Porto”, Henrique Moreira (1890-1979), e inaugurada no dia 25/05/1972), das evocações de estatuária pétrea, civis ou sacras, individuais ou em grupo, ao culto, ao folclore, à filarmonia, à mitologia, à portugalidade e à etnografia, no Frontispício e nos Alçados do Museu, na sua maioria de acesso livre, o público, antecedendo a sua entrada no espaço interior, pode iniciar o seu contacto com raridades artísticas, históricas e colecionistas, de onde se destacam:
- Os diversos Mosaicos e Painéis de Azulejos de diferentes pintores da histórica Fábrica de Cerâmica do Carvalhinho de Vila Nova de Gaia (1841-1977), de iconografia local (filantropia de H. A.), e ainda religiosa, azuláceos ou polícromos, datáveis de 1951, 1957, 1958, 1964 e 1968;- O Painel azulejar azuláceo, iconograficamente reprodutivo de uma das “Aparições de Maria, na Cova da Iria - Fátima, aos ditos três Pastorinhos”, datado de 1930, da autoria de J. Cândido da Silva J.or (segundo a assinatura visível), pintor da histórica Fábrica de Cerâmica “F. Corticeira” da cidade do Porto;
- Dois Painéis de Azulejos polícromos, de iconografia Mariana e Cristológica da autoria de Rafael Valente da Oficina de Arte Religiosa - R. Conceição Fernandes, 38, V. N. de Gaia (tendo por base a inscrição visível);
- Um Alto-relevo de Gesso, ausente de referências de autoria e datação, incrustado no interior de uma das Arcadas do MSML, representativo do episódio hagiográfico e iconográfico de “São Jorge e o Dragão”;
- Um Conjunto escultórico, com sete registos de vulto, alusivo às “Aparições Marianas de Fátima, aos três Pastorinhos de 13 de maio de 1917” - Francisco Marto (1908-1919), Jacinta Marto (1910-1920) e Lúcia de Jesus (1907-2005) - acompanhados por três Ovelhas (uma delas esculpida em Mármore);
- E, por último, diversos Modelos / Esboços / Estudos de Gesso para relevos de estatuária pública, na sua maioria, da autoria de Henrique Moreira (de onde se evidenciam, entre outros, o Estudo, de escala inferior, para a escultura de corpo inteiro de Henrique Amorim, de 1972 ou anterior a 1972; e o esboço de iconografia similar à obra final, de 1945, do relevo “Descida do Espírito Santo sobre Maria” (acompanhada pelos Apóstolos), integrado no Altar-mor da Igreja da Ordem da Trindade da cidade do Porto).