O Fundador
Henrique Alves de Amorim (1902-1977), foi um dos onze filhos resultantes do matrimónio, ocorrido em 1886, entre António Alves de Amorim (1832-1922) - “empresário” rolheiro, conhecido no território feirense como o “Pai do Porto”, mas nascido em Lourosa - e Ana Pinto Alves (1867 - 1926), natural de Santa Maria de Lamas.
No decurso da sua vivência, Henrique Amorim transformou-se numa das “personalidades-chave” da história local, crucial para o desenvolvimento estrutural, social e cultural de Santa Maria de Lamas. Mentor de um mundo pessoalizado, “ao seu gosto e imagem”, nos negócios, pela sua visão “vanguardista” e capacidade de risco, mudou o paradigma da Industria corticeira em Portugal.
Com apenas 14 anos de idade, Henrique Amorim assumiu funções de liderança nos negócios familiares. Como Industrial, ao longo de toda a sua atividade, Henrique Alves Amorim revelou respeito pela tradição familiar - que desde o séc. XIX, sobretudo pelo trabalho do seu pai, encontrou na Cortiça a sua fonte de labor e sustento. Combinando experiência e inovação, sabedoria familiar e criatividade; auxiliado pelos irmãos e após um período evolutivo difícil, Henrique Amorim atingiu na “Amorim e Irmãos, Lda.”, sobretudo nas décadas de (19)50 e no início dos anos (19)60, a hegemonia que um dia o seu pai sonhou e em parte vaticinou para a família. Apesar do sucesso, com a chegada dos anos (19)60, chegou também o momento em que Henrique Amorim, um pouco fatigado, resolveu cessar, a título definitivo, a sua carreira industrial.
Atendendo à estabilidade obtida na firma rolheira, motivado por algumas das suas paixões peculiares, sobretudo a dedicação à Freguesia e ao seu hábito/gosto colecionista, segundo relato do próprio, a década de (19)60 concretizou um processo de sucessão iniciado anos antes. Segundo alguns estudos biográficos acerca do historial da família Amorim, Henrique era descrito como um Homem que teria alguma mágoa por não possuir mais estudos. Detentor de um perfil muito próprio, para ultrapassar a sua “escassa” formação escolar ou académica, este vulto executava leituras constantes, viajava, colecionava e contactava com património material e imaterial, histórico, cultural, social e científico da Humanidade e do Planeta Terra.
Deste modo, perante as carências estruturais, assistenciais, educativas e culturais que Santa Maria de Lamas possuía nas primeiras décadas do séc. XX, Henrique Amorim, que padeceu com algumas dessas vicissitudes locais, talvez inspirado pelas leituras e pelos exemplos internos e externos que contemplava, dedicou-se, a partir do início dos anos (19)40 e até à sua morte, à promoção e ao financiamento de múltiplas melhorias em benefício do território e da população Lamacense.
Para benefício da sua Freguesia, a par de criar postos de trabalho através da gestão e prosperidade industrial, Henrique Amorim auxiliou os seus conterrâneos, providenciando a aquisição de elementos, a criação de valências e a construção de espaços para serviço e fruição pública. Assim sendo, a sua obra benemérita e filantrópica, originária de uma revolução urbanística, arquitetónica e artística, estende-se por áreas distintas como a Cultura, o Desporto e o Lazer; a Saúde, a Solidariedade e Ação social; a Educação; a Religiosidade; a Comunicação; a Melhoria da via pública; e a Conservação, renovação ou reconstrução de estruturas de utilidade comunitária.
É também importante explicitar que grande parte da obra de Henrique Amorim foi acompanhada, de muito perto, por alguns amigos do seu círculo restrito e íntimo. Elementos que se revelaram preciosos para o seu aconselhamento e até auxílios práticos ou burocrático. Assim sendo, o “sonho” e a convicção de Henrique Amorim foi, praticamente na sua totalidade, concretizada com o apoio de dois grandes amigos: Henrique Veiga de Macedo (1914-2005), conterrâneo, Ministro das Corporações e Previdência Social do “Estado Novo”, entre 1955 a 1961 (com quem oficializou a implementação da Casa do Povo de Santa Maria de Lamas) e o Pároco local, José Ferreira, carinhosamente apelidado pelos paroquianos como o “Padre Zé”, seu companheiro perpétuo, mesmo após a morte, em Santa Maria de Lamas.
Através deste círculo íntimo e pela sua afeição aos valores do regime e ideologia em que viveu - o “Estado Novo” (1926-1974) - a sua obra atingiu, com aval da ditadura portuguesa, uma dimensão que, de outro modo, talvez não fosse possível de concretizar. Graças à sua ação, aos seus contactos, à sua influência, ao perfil altruísta e esforçado, a insalubre terra santamariana transformou-se num espaço quase idílico.
Motivado por leituras e viagens, Henrique Amorim desenvolveu um gosto particular pelo Colecionismo. Sobretudo um Colecionismo pautado pela aquisição de múltiplos objetos de diferentes cronologias, proveniências, géneros e quadrantes do conhecimento, desde as artes às ciências; inspirado nos espíritos humanistas dos séculos XV e XVI, originários dos “Gabinetes de Curiosidades ou Quartos das Maravilhas Europeus” que se estenderam “fisicamente” ao séc. XVII. Sem esquecer a influência e tentativa de reproduzir, sob a sua perspetiva, os conceitos, sobretudo oitocentistas (séc. XIX), de “Museu ecléctico”, “Caixa de Tesouros” e até de um certo “Bricabraque português” da viragem de centúrias de XIX para XX.
Recolhendo um acervo ímpar, depressa resolveu partilhá-lo com a comunidade. Nos seus projetos para os melhoramentos da Freguesia, em virtude do crescimento vigoroso da sua coleção, a ideia de edificar um espaço físico, de raiz, para a exclusividade museológica e exibição destes objetos tornou-se prioritária. Nascia assim, em plenos anos (19)50, e sob o título primitivo de “Domus Áurea: Arquivo de Fragmentos de Arte”, o projeto que culminou no atual Museu de Santa Maria de Lamas (que Henrique Amorim acompanhou, quase em permanência, até à sua morte). Doado pelo próprio à Casa do Povo de Santa Maria de Lamas, em termos de espólio e edifício, através de um registo datado de 1959. Possivelmente “inaugurado”, com a planta final de 16 salas, em 1968 e constantemente “apetrechado” com novos elementos até 1977, este espaço elevou culturalmente, pela sua singularidade, o legado de Henrique Alves Amorim em prol da sua geografia e comunidade “amadas”.
Iniciado a partir das suas primeiras incursões no mercado artístico e colecionista, realizadas entre 1950 a 1953 - com a aquisição de grande parte da sua vasta coleção de Arte Sacra - o Museu, aberto à fruição da comunidade, refletiu a intelectualidade, o culto pessoal, os gostos, a excentricidade e o próprio pensamento político, social, profissional e cultural do seu Fundador. Aqui, sozinho, acompanhado pelo seu círculo íntimo, ou recebendo visitantes e amigos ilustres, Henrique Amorim passou grande parte dos seus últimos 27 anos de vida; possivelmente entre 1950 e 1977, o ano em que viria a falecer na sua “terra amada” no dia 20 de fevereiro, antes mesmo de completar 75 anos de idade.