Apresentação
Popularmente apelidado de “Museu da Cortiça” (a partir dos anos (19)60 ou (19)70, por parte do seu próprio público), o Museu de Santa Maria de Lamas (MSML), foi primitivamente designado pelo seu Colecionador e Fundador, o industrial “corticeiro” e benemérito local Henrique Alves Amorim (1902 - 1977), em pleno decurso da década de 50 do século XX, como sendo a sua “Domus Áurea (“Casa dourada”): Arquivo de fragmentos de Arte”. Todavia, tal desígnio, nunca vingou como nome oficial do MSML. Embora, na prática, refletisse muito do espaço, acervo reunido e conceitos expositivo / colecionista que, desde o início, o seu Promotor quis impor na “cenografia” de cada uma das salas do Museu. Hoje encarado como um importante e peculiar caso de estudo da História do Colecionismo privado e pessoal, do “Mercado de Arte”, suas dinâmicas e da Museologia portuguesa ao tempo do Estado Novo (1926-1974) – sobretudo dos anos (19)50, (19)60 e (19)70.
Um perímetro arquitetónico e museológico vasto, em grande parte com ambiência de “Casa dourada”, arquivando, preservando e expondo um acervo eclético, composto por milhares de peças artísticas, arqueológicas, científicas, industriais, etnográficas e identitárias, de alcance local, regional, nacional e internacional. Representativas e oriundas de um “arco temporal” bastante alargado, dispostas por todo um complexo edificado de raiz a partir de 1950. Tendo a sua primeira fase construtiva cessado em 1959 (coincidindo com a doação do acervo e complexo arquitetónico, pelo próprio Fundador, em vida, à tutela da Casa do Povo de Santa Maria de Lamas), a segunda em 1968 e uma suposta “terceira” até 1977 – datação coincidente com a morte de Henrique Amorim, ocorrida em Santa Maria de Lamas no dia 20 de fevereiro, na proximidade de completar 75 anos de idade.
Pela sua diversidade e exposição, o MSML é um recurso cultural e museológico único, resultante de um ímpeto pessoal, centrado na figura do Colecionador, respetivo perfil e motivações para reunir tamanho espólio, assente na recolha quase “compulsiva” de objetos, concretizada, exclusivamente por capital próprio, entre o início da década de (19)50 e o ano de 1977.
Inspirada nos “espíritos” colecionistas, ou mesmo em preceitos base do “bricabraque português” da viragem de centúrias, de XIX para XX, a sua estruturação primitiva seguiu e tentou aproximar-se da norma expositiva dos “Gabinetes de Curiosidades” ou “Quartos das Maravilhas” europeus, de sécs. XV a XVII. Assim como, de recuperação dos conceitos de “Museu eclético” ou “Caixa de Tesouros”. Um exemplo vivo de museografia histórica, marcado pelo corte sincrónico no tempo, onde domina o gosto do colecionador. Tal como outros museus do mundo e alguns casos nacionais precedentes ou coevos, como sejam: o Museu Cerralbo (Madrid), o Museu Stibbert (Florença), o Museu Sir John Soane (Londres), a Casa-Museu Guerra Junqueiro (Porto), a Casa-Museu Fernando de Castro (Porto), entre outros, que seguiram estes princípios programáticos e apresentaram as suas coleções expostas na aparente “desorganização e caos”.
Desde os primórdios da sua composição, caracteriza-se também pela proximidade do seu traçado exterior aos princípios “conservadores” da arquitetura pública da época de fundação, regrada pela ideologia nacionalista do Estado Novo, assente na trilogia de valores: “Deus, Pátria & Família”.
Peculiar, amplo e valioso, o Museu de Santa Maria de Lamas é o exemplo de um Museu criado organicamente, seguindo a ordem da aquisição das peças (na sua maioria, em território luso, diretamente em espaços religiosos intervencionados por ação clerical ou da Direção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), hastas públicas, “residências particulares” ou antiquários, situados no Porto, Póvoa de Varzim, Braga, Viseu ou Vila Nova de Famalicão), e adaptando os seus espaços às mesmas. Criando um perímetro “expositivo e cenográfico” repleto de obras e objetos organizados por proveniências ou afinidades estilísticas. Um acervo plural, dinamizado por uma dicotomia constante de “Cultura erudita e popular” que preserva, arquiva e expõe, entre outras, coleções de: Arte Sacra (sécs. XIII a XX); Artes Decorativas (sécs. XVII a XX); Iconografia do Fundador (ca. décadas de 40, 50, 60 e 70 do séc. XX); Pintura contemporânea (sécs. XIX e XX); Etnografia portuguesa (sécs. XIX e XX); Estatuária contemporânea (francesa: séc. XIX & portuguesa: sécs. XIX e XX); Fragmentos ligados às Ciências Naturais; Escultura em Cortiça e derivados (séc. XX); e Arqueologia industrial (ou seja, Utensílios / Engenhos / Maquinaria / Maquinismos de transformação corticeira, com utilização datável entre o séc. XIX e o início do séc. XX).
Recuperado a partir de 2004 através do “Projeto de Reorganização Museográfica do MSML”, nascido de um protocolo celebrado entre a instituição tutelar do MSML (Casa do Povo de Santa Maria de Lamas) e o Departamento de Arte e Conservação e Restauro da Universidade Católica Portuguesa, o Museu afirma-se como espaço de reflexão, estudo, partilha e interpretação de uma realidade que moldou a história de uma terra; e de um património que acompanhou o gosto e a evolução secular de um país. Assim sendo, este complexo, socialmente ativo, de grande valia cultural e pedagógica, demarca-se pelo contributo que presta à Museologia nacional e, encontra na credenciação e entrada na dinâmica da Rede Portuguesa de Museus (RPM), formalizada a 28 de agosto de 2018, a concretização de um objetivo fulcral para o reconhecimento nacional e garante da continuidade da “missão social e patrimonial” do Museu.